segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Plantando a diferença

Sêu Nico é um andarilho noturno que escolheu as madrugadas para plantar flores pelas ruas de Santa Isabel, e faz isso há mais de um ano 
O dia ainda está longe de amanhecer e Sêu Nico sai de sua casa a peregrinar pelas ruas de Santa Isabel. No caminho que faz todas as madrugadas vai de lixeira em lixeira recolhendo pedaços de móveis, brinquedos abandonados, além de outros materiais recicláveis. Nico tomou para si a missão de dar um destino a esses objetos, sem vende-los transforma o que pode em vasos de flores, um jeito de plantar vida em objetos que se tornaram obsoletos.
Sêu Nico é na verdade Maximínio de Camargo. Por ironia do destino, o andarilho das madrugadas isabelenses tem o mesmo nome de uma das ruas da cidade. Há poucos metros da sua casa, que fica no numeral 1.090 da Avenida Prefeito João Pires Filho, está a Rua Maximínio Antônio de Camargo. O homenageado que dá nome a via, era avô de Sêu Nico.
A casa onde mora é a herança que recebeu com a morte dos pais. Para lá ele leva todas as sobras que recolhe da cidade e em seu quintal há um vasto jardim com várias espécies de flores, além de pés de fruta. Malva, Antúrio, Cravos, Comigo Ninguém Pode, Bromélias, Lírios da Paz, Orquídeas e outras espécies existem no jardim que poucos têm o prazer de apreciar.

Se ninguém vai ao jardim de Sêu Nico, ele leva um pedaço do jardim às pessoas. Poucos veem, mas quando sai a perambular pelas ruas durante as madrugadas, Maximínio amarra mudas de orquídeas por algumas árvores da cidade. Já amarrou orquídeas nas praças da Bandeira e Fernando Lopes e também nas árvores que margeiam a Rod. Prefeito João Pires Filho. Usando na cintura apenas uma faca velha de cozinha, cujo cabo está quebrado, Nico plantou com as próprias mãos a maioria dos antúrios que enfeitam a Praça da Bandeira: “Certa vez um morador me perguntou por que que eu tinha este zelo pela cidade. Se eu nasci aqui e ela me abriga até hoje, é minha obrigação cuidar dela”, diz.
Se engana quem acha que ele usa os horários do dia para descansar, nas manhãs e tardes cuida de seu jardim plantando novas mudas em restos de copos, garrafas pets e até monitores de computadores que recolhe do lixo. Uma de suas distrações é cuidar do pastor alemão que ele ainda não deu nome, mas que um dia foi de seu sobrinho, única companhia que compartilha em seu isolamento imposto pela surdez, fruto de uma doença de infância. Outra coisa que faz e se diverte sozinho é brincar de acertar o alvo, após dar precisos seis longos passos ele arremessa sua faca velha em direção a latinha de cerveja que deixa em cima de um latão velho, cheio de furos causado pelos seus arremessos sem sucesso. 
Após ter sarampo aos sete anos de idade, Nico adquiriu uma deficiência auditiva que o passar dos anos só piorou. Hoje aos 71, sua audição só consegue captar aquilo que lhe é falado alto, bem próximo aos ouvidos. Em dias de chuva o som que escuta é zero, mas para ele o silêncio é o melhor companheiro de todos os dias. Não tem filhos e garante que nunca casou.Esculpido em sua humildade responde o que consegue ouvir com uma voz baixa e serena, que não se exalta jamais.
Hoje aposentado Sêu Nico dedicou parte de sua vida a trabalhar nas empresas da cidade. Em 1969 foi funcionário da Pedreira de Santa Isabel e de lá saiu uma semana antes do setor de ferradura, onde trabalhava, explodir matando seus ex-colegas de trabalho. Durante dois anos trabalhou como servente na Santa Casa de Misericórdia e durante 17 anos trabalhou na empresa Paramount Têxteis. No meio de cinco irmãos, alguns deles já falecidos, Maximínio foi o único que adquiriu paixão assídua pelas plantas, na infância foi morar e trabalhar com os pais na fazenda da família Cianflone e lá cuidava do jardim.
Em sua casa há poucos móveis, apenas um rádio que surpreende quem o visita. Em um balcão que separa a cozinha da sala um porta-retrato empoeirado traz a imagem de um Nico jovem com uma de suas sobrinhas no colo, num típico dia de família: “Hoje ela é uma mulher adulta muito bonita”, diz o Tio orgulhoso.  
O homem que escolheu cuidar da cidade onde nasceu enquanto a maioria dos moradores dela dormem, consegue desta forma dar valor a si mesmo e ao seu trabalho. Assim como o avô imortalizado no nome de uma rua, Maximínio consegue se eternizar plantando flores pela cidade. 

Matéria originalmente publicada na Ed. 1.060 do Jornal Ouvidor. Clique Aqui e confira a matéria completa.  

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Um projeto para humanizar a saúde pública

Um ambiente virtual que conseguiu ter influência real na vida de profissionais e usuários do Sistema Único de Saúde – SUS

“Humanização e um melhor atendimento nas unidades de saúde de todo o país”, este é o foco defendido pelo médico sanitarista Dr.Ricardo Teixeira, Professor da Universidade de São Paulo e Pesquisador de Comunicação e Inteligência Coletiva. Dr. Ricardo é também consultor da Política Nacional de Humanização – PNH e é responsável em coordenar a‘Rede Humaniza SUS’, desde a sua criação em fevereiro de 2008. O projeto ganhou destaque este ano quando se tornou o canal de mobilização de profissionais para ajudar vítimas da tragédia que ocorreu em Santa Maria e abalou o país.
“O objetivo foi criar um site colaborativo que permite que trabalhadores, gestores e usuários do SUS, de todo o país, possam interagir na busca de melhorar o atendimento”, explica.
Uma das editoras do site, Sabrina Ferigato, diz que em tragédias como a que ocorreu em janeiro deste ano, em Santa Maria (RS), onde 242 jovens morreram em um incêndio na Boate Kiss, a rede foi o canal utilizado para que os profissionais da saúde de todo o país se mobilizassem em apoio às vítimas e seus familiares. “Psicólogos e psiquiatras que fazem parte da ‘Humaniza SUS’ foram para Santa Maria prestar apoio intensivo e usaram a rede para desabafarem a dor diante dos acontecimentos, muitos desses relatos vinham em tempo real, horas após a tragédia”, salienta.
“A Rede é um espaço importante para troca de experiências, que permitem que boas ideias se propaguem através dos serviços do SUS em todo país”, ressalta o coordenador Dr. Ricardoao citar um artigo publicado no site que mostra o programa desenvolvido pelo Hospital Infantil Lucídio Portella, de Teresina (PI), que instalou redes nos berços para melhor acolher as crianças.
O projeto implantado no hospital de Teresina em 2004 passou a ser utilizado em outras unidades de saúde, inclusive este ano no Hospital Virvi Ramos, em Caxias do Sul (RS).
Para Dr. Ricardo a ‘Rede Humaniza SUS’ foi uma aposta que deu certo: “hoje ela possui dez editores, cerca de 16 mil membros e recebe mais de 100 mil visitas por mês. Nosso site já foi defendido em teses de doutorado e mestrado, iniciativas essas que ajudam a mostrar ainda mais a potência do SUS”, completa.
A Unidade de Pronto Atendimento – UPA de Santa Isabel (SP), a primeira do país a possuir um laboratório para exames básicos e profissionais de assistência social, tornou-se usuária da ‘Rede Humaniza SUS’. O administrador da Unidade, Daniel Frúgoli confessa que desconhecia o projeto, mas defende que iniciativas como esta trazem melhorias sem custo algum para as unidades de saúde. “O site nos permite a troca de experiência, se algo que eu fizer aqui surtir um bom efeito vou divulgá-lo pela rede, para que outros colegas da saúde, apliquem em sua cidade”, disse.
Segundo Dr. Ricardo, a ‘Rede Humaniza SUS’ será sempre uma plataforma colaborativa, para o livre uso de trabalhadores e usuários do SUS. 
Para os interessados em participar da ‘Humaniza SUS’ basta acessar o endereço eletrônico: www.redehumanizasus.net. 

Matéria produzida em outubro de 2013, para o 8º Prêmio Santander Jovem Jornalista em parceria com o Jornal Estadão. 

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

O fim do Franqueza

Prefeitura inicia a limpeza da área que será ocupada por uma nova creche municipal e os campos A e B do Franqueza começam a ser desativados para darem lugar a ETE
Com o início das obras de construção de uma creche municipal e da Estação de Tratamento de Esgoto – ETE que ocupará os campos de futebol A e B do Franqueza, nas imediações do terreno onde se encontra a Unidade de Pronto Atendimento – UPA de Santa Isabel, esta semana os isabelenses começaram a se despedir dos campos que, por 44 anos, foram palco de históricas partidas de futebol.

Por intermédio de uma emenda do Governo do Estado, Santa Isabel começará dentro de algumas semanas a construção de uma nova creche municipal, para tal obra a prefeitura realizou uma limpeza geral na área que será ocupada por ela e todo entulho, bloquete e ferros retorcidos que lá estavam depositados foram retirados da área e colocados no campo B do Franqueza.
De acordo com o secretário de Planejamento e Obras, Daniel Polydoro, a construção da creche poderá acontecer paralelamente com a construção da ETE. Sobre o entulho no campo, Daniel explica que: “a Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) nos solicitou que fizéssemos o ajustamento das costas topográficas das obras da ETE, conforme está no projeto que enviamos a ela”.
Para o Secretário, nem os bloquetes e tão pouco o gramado dos campos estão em condições de reuso: “Remover a grama para reaproveitá-la custaria mais caro que a aplicação de grama nova e o tempo para removê-la atrapalharia o andamento da obra”, esclarece.

A despedida

Enquanto para alguns o clima é de festa, pois a cidade inicia a construção de uma ETE, algo inédito na história do município, para outros o momento é de despedida. Juvenal Pereira de Souza, 76, conhece como ninguém cada centímetro dos campos que, durante 32 anos cuidou, sua única função era prepará-los para as partidas dos finais de semana: “Ouvi dizer que o Prefeito tentaria salvar um dos dois campos para que a ETE não acabasse com os dois de uma só vez, mas de repente nesta semana caminhões começaram a entrar no campo e despejar todo este entulho aqui”, conta, acrescentando com pesar: “A dor maior é que um dia antes da invasão de entulho eu havia pintado todas as áreas e demarcado todos os pontos do campo, pois eu acreditava que no próximo final de semana teríamos uma última partida de despedida, mas não tivemos”, lamenta.
Juvenal e o amigo Manoel Eleotério, 61, que hoje é zelador do Ginásio Municipal de Esportes, são a memória viva de como os campos do Franqueza foram criados, segundo eles foi pela força de vontade dos funcionários da extinta fábrica Franqueza que existia no município que os campos foram construídos: “O campo B nós construímos manualmente em 1971, utilizamos apenas foice e machado, lembro até hoje da primeira partida oficial disputada aqui em 1972, foram funcionários da produção contra os funcionários do escritório da empresa Franqueza”, recorda emocionado Manoel.
Juvenal, que trabalhou por 30 anos na prefeitura e hoje é aposentado, se despede dos gramados que ele nunca jogou, “mas que sempre cuidei como um pai cuida de um filho. Já me convidaram para zelar pelo campo da Avenida Brasil, mas não seria a mesma coisa, é triste lidar com esta realidade sem poder fazer nada, estou de mãos atadas”, lamenta.

De acordo com o prefeito Padre Gabriel Bina, a prefeitura ainda não encontrou uma outra área para fazer novos campos, mas “Estamos estudando opções possíveis para sua implantação”, explica.
O secretário de Esportes, Daniel de Lucena, destaca que o município tem uma emenda parlamentar concedida pelo deputado estadual André do Prado no valor R$200 mil para a construção de um novo campo: “só poderemos usar esta verba se tivermos uma área para a construção e neste momento a secretaria esta procurando este local”, disse. De acordo com o Secretário, até a resolução do caso, os jogadores utilizarão o campo do Santa Isabel Esporte Clube – Siec e do estádio municipal da Avenida Brasil. 

Matéria publicada originalmente na Ed. 939 do Jornal Ouvidor Clique Aqui e veja a matéria completa.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

A arte que do boi aproveita tudo

A história do isabelense José Gaspar, 71, que aproveita a carcaça bovina para o artesanato
É nos fundos de uma casa na rua Oswaldo Cruz, Bairro Lanifício, em Santa Isabel que José Gaspar Barbosa passa horas do seu dia colocando em prática aquilo que aprendeu com o pai ainda na infância, transformar em arte restos de carcaça bovina. O que parece não ter mais serventia o homem de 71 anos, transforma em anéis, enfeites de sala, vasos de flor, pássaros e todos os peixes que a mente dos que veem sua arte conseguem enxergar. 
Gaspar em sua casa junto das obras que produz utilizando a carcaça do boi e da vaca.
Poucas tradições passam de geração a geração, o artesanato feito com chifres de boi passou do pai Miguel Eleutério Barbosa, para o filho José Gaspar. Rapidamente ele faz questão de expor na mesa de sua casa, peças produzidas por ele há cerca de seis meses. Com o osso ele faz pequenas cabeças de boi, anéis e outros enfeites.
Cada peça de osso que chega começa a ser trabalhada e, dependendo do tamanho, é cortada, lixada e em seguida polida. O mesmo procedimento ele faz com o chifre que é colocado na água fervendo e em seguida modelado na morsa chegando ao formato daquilo que você deseja criar. Depois de cortar a peça para fazer a cabeça do peixe eu ainda utilizo as sobras para fazer as barbatanas. As escamas faço com a faca, desenhando, uma por uma”, explica. Para fazer o olho dos peixes Gaspar utiliza bijuterias.
Quando não está em casa trabalhando em sua arte, Gaspar encontra os amigos da mesma idade em bares da cidade. Seu passatempo é relembrar histórias de uma antiga Santa Isabel que ele traz na memória, e de importantes personagens que por aqui passaram.
Questionado se um dos três filhos seguirão a arte do pai ele é direto: “Meus filhos não querem saber disso. Na idade deles eu também não queria, só me interessei já depois de aposentado”. Assim como o pai que foi trançador de couro, Gaspar faz sua arte por hobby e diz não pretender obter lucro com elas: “Não sei se vou vender ou só expor, pois para produzir dependo da carcaça do boi, que é difícil encontrar”, revela.
Os ossos são doados por açougue, mas o chifre é um dos itens que não tem nestes lugares, pois as peças vêm na maioria das vezes sem a cabeça do animal e ele depende da doação de alguns conhecidos que possuem criação nos sítios da cidade. “Está provado por A + B que do boi e da vaca podemos aproveitar tudo exceto o berro, mas podemos fazer o berrante”, finaliza o artista. 

O texto foi originalmente publicado na Ed. 1.048 do Jornal Ouvidor.
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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

As experiências de um farmacêutico

Aos 86 anos de vida Benoni Silva dedicou mais de setenta à prática de farmácia, profissão celebrada na última quarta-feira (20/01): Dia do farmacêutico. Nessa longa jornada colecionou boas histórias, vendeu e criou os seus próprios remédios
Ainda com ruas centenárias de terra batida, recém elevada à condição de cidade, com casas de pau-a-pique, telhas feitas à mão Igaratá não tinha médico. A paisagem bucólica era cercada pelo ribeirão das Palmeiras que desaguava ali pertinho, no Jaguari.
Certo dia de 1954 o ônibus da Eroles parou defronte ao Bar do Amadeu e ali desceu, vindo da Capital, o jovem Benoni Silva, 25 anos. Dentro da mala, além das poucas peças de roupas, uma experiência de anos atuando como profissional de farmácia e a disposição de assumir a administração da primeira farmácia da velha Igaratá.
"Em 20 de janeiro é celebrado o dia do farmacêutico". 
Hoje Benoni mora com a mulher, Isabel Pereira Silva, 76, e cultiva netos e bisnetos em sua casa na Rua XV de Novembro, centro de Santa Isabel. Caminhando com o auxílio de uma bengala, apesar das pernas e mãos tremulas, tem voz e fala firme e com doses de precisão relata, como se revivesse, todos os dias, os momentos trabalhados nas farmácias de Minas Gerais e de São Paulo.
Nascido em São José dos Campos, Benoni mudou-se para Rio Piracicaba, cidade do interior de Minas Gerais, aos oito anos de idade, acompanhando o pai que era ferroviário na Central do Brasil. A mãe, morreu ainda cedo e Benoni, filho do meio, começou a trabalhar aos nove anos de idade na limpeza de uma farmácia próximo à sua casa. Já na adolescência ele largou a vassoura e tornou-se vendedor no recinto. Não demorou muito e Benoni começou a manipular no laboratório, os medicamentos que vendia.
Em destaque Benoni aos 23 anos,
na 1º turma do Curso de Oficiais de Farmácia de 1952,
em Rio Piracicaba – MG. 
O menino deixou o ensino médio para trás, depois que seu pai queria colocá-lo em um seminário: “Eu não queria ser padre, queria era namorar”, recorda sorrindo. Rio Piracicaba fica a cerca de 710 km de Belo Horizonte e quase 800 km de Ouro Preto, essas distâncias impediram Benoni de entrar na faculdade e tornar-se um profissional de farmácia formado. Hoje na prateleira de sua sala entre os porta-retratos da família, repousa a foto dele e da 1º turma do Curso de Oficiais de Farmácia de 1952, licenciado pelo Departamento de Saúde de Rio Piracicaba: “Com este curso, não me tornei um farmacêutico de formação, mas consegui a licença para atuar como profissional de farmácia”, ressalta. 
Quando já adulto, Benoni voltou para São Paulo, onde trabalhou em farmácias próximas as ruas São Bento e Praça da Sé: “Ali conheci um homem que tinha uma farmácia em Igaratá. Ele estava disposto a largar o ponto e me ofereceu, então eu aceitei e me mudei para lá”, diz.
Na velha Igaratá, Benoni se tornou o proprietário da farmácia Nossa Senhora das Graças, e lá ficou por seis anos: “Eu atendia pacientes que chegavam já com o receituário médico, mas havia muitas pessoas que, na falta de um médico, me procuravam para indicar a elas um remédio. Além de atender na farmácia eu era chamado durante as madrugadas para atender nas casas e, para chegar até os pacientes, ia a cavalo ou de charretes. Era uma aventura que hoje não existe mais”, recorda.
Benoni saiu de Igaratá antes que a cidade velha fosse engolida pelas águas da Represa Jaguari. Em 1960, mudou-se para Santa Isabel onde montou a Farmácia São Pedro, que existe até hoje na Rua João Pessoa, no centro da cidade. Aqui conheceu Isabel com quem teve os filhos Valesca, Adauani e Osni. Além da farmácia Benoni também foi atleta, no futebol era centroavante e tinha lugar garantido nos times da cidade, também representava o município nos jogos de vôlei. Na prateleira de sua sala, um troféu de 3º lugar na competição ocorrida em Nazaré Paulista em 1996, é a prova de que ele também era bom no voleibol.
Benoni hoje aos 86, em sua casa em Santa Isabel.

Benoni deixou de vez a farmácia no início dos anos 2000 e junto com a mulher divide a atenção dos cinco netos e três bisnetos. As mãos, hoje enrugadas, que começou varrendo farmácia, também criou expectorantes para a cura de tosse e até pomadas para manchas de pele, que sua mulher faz questão de dizer: “Foi a melhor pomada que alguém já inventou”.
Questionado sobre o que acha da profissão de farmacêutico nos dias de hoje, sua resposta é direta: “É capaz que a profissão de farmácia esteja melhor do que no meu tempo, mas é certo uma coisa, ela não te permite as mesmas aventuras que um dia eu vivi”, finaliza Benoni. 
 O texto foi originalmente publicado na Ed. 1.058 do Jornal Ouvidor e foi editado pelo jornalista Roberto Drumond. Clique Aqui e veja a matéria completa.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

“A arte é a porta para a eternidade”, Cepinho

Transformar a matéria em memória é o objetivo de José, escultor que mora em Santa Isabel
Todo o pedaço de madeira encontra um destino nobre nas mãos do artista José Adilson Ramos Cepinho, 67, ex-funcionário da rede pública de ensino da prefeitura de São Paulo que, tão logo se aposentou, escolheu Santa Isabel para viver e criar com a esposa os seus quatro filhos.


José ou Cepinho, como é conhecido,mora com um de seus filhos, na casa que um dia pertenceu ao seu pai, na Rua Idactor Ferreira da Costa, Bairro Vila Guilherme. Em seu lar, cabos de vassoura e troncos de árvores nobres como: ipês roxo, cedros, cerejeiras e jacarandás se transformam em obras de arte.
Cepinho começou na década de 90 a produzir artesanato, corintiano fanático sua primeira peça produzida foi um São Jorge que ele mantém guardado até hoje: “Peguei um resto de arame e comecei a dobrar, quando percebi tinha feito um homem em cima do cavalo, ai para fazer o dragão eu usei uma latinha de cerveja”, recorda.

Em seguida, para incentivar um dos filhos a prosseguir na faculdade de Educação Física, José esculpiu em um pedaço de madeira as principais modalidades do esporte, a retribuição veio para o artesão anos depois com a formação acadêmica do filho. A partir daí José passou a esculpir em madeiras.
O que a mente criativa do Cepinho imagina, ele mais tarde transforma em carrancas, animais, pássaros, santos e monges. “O que produzo se não for para mim eu dou de presente é uma forma de me manter eternizado com as pessoas”, diz. Umas das peças que ele atualmente produz é o símbolo de Igaratá, que José pretende presentear o primo e prefeito Elzo de Souza.


O artista mantém uma lojinha de produtos diversos em um cômodo de sua casa, ali ele expõe os terços feitos por ele com restos de arame, fio de cobre e sementes de plantas nativas.
Cepinho tem na figura paterna uma referência, seu pai, Alyrio Pinto Cepinho, trabalhou como maquinista na antiga Estrada de Ferro Central do Brasil, que durante 111 anos ligou as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais: “Meu pai era um são paulino de princípios, sempre fiel a minha mãe, tratou de me ensinar os valores da vida. Ainda me lembro de nossos últimos momentos, quando em 1992 o São Paulo entrava em campo pelo primeiro jogo da Taça Libertadores da América ele passou mal e faleceu em meus braços ainda no corredor do hospital”, recorda emocionado.
A mãe Alice Ramos Cepinho, que também foi funcionária pública, faleceu no ano passado aos 97 anos, um dia antes do aniversário de Cepinho. “Ela me ensinou o valor da família, da união entre as pessoas que amamos e eu tento manter-me com elas a cada escultura que dou de presente”, revela.

Apaixonado por Santa Isabel, o artesão destaca que está sempre pronto a contribuir com o lugar onde vive: “Me entristece ver quantos jovens perambulam por essas ruas, caindo de um lado para o outro, entregues ao vício. Houve um tempo em que as pessoas viviam com mais simplicidade, e tinham uma vida longa”, conta com certo pesar, acrescentando em seguida: “Precisamos aproveitar cada instante como se fosse o último, mas cientes de que melhor do que deixar saudades, é deixar ensinamentos”, finaliza. 

O texto foi originalmente publicado na Ed. 972 do Jornal Ouvidor e foi editado pela jornalista Erica Alcântara.  Veja a matéria completa Clique aqui.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A garra de Dona Teresa

A catadora de material reciclável que divide espaço com os veículos nas ruas de Santa Isabel, conta um pouco de sua vida
Alguém certamente já se esbarrou com Teresa Pimenta Neves, 71, pelas ruas do centro de Santa Isabel. A mulher idosa, magrinha e miudinha é reconhecida por sua garra e perseverança. Dona Teresa como é popularmente conhecida é aposentada, mas tornou-se catadora de reciclagem há 20 anos para completar sua renda.
Teresa que nunca frequentou a escola nasceu em Santa Isabel e não tem filhos, vive em um terreno situado na Av. Brasil junto com os irmãos. Abandonada pelo último marido ela prefere hoje morar em um cômodo sozinha.
Mesmo sem frequentar a igreja, a catadora se diz católica: “Não consigo ir à missa, pois tenho que trabalhar”, revela. Teresa trabalha quase todos os dias da semana e sua jornada inicia sempre bem cedo. Nos dias de maior movimento ela sai ainda de madrugada e volta somente por volta das 17h.
Quando questionada de sua data de
nascimento só sabe informar que nasceu numa quarta-feira de setembro e mais nada. Desde pequena ela trabalhava para ajudar os pais Pedro Silva e Maria de Pimenta Neves que morreram há 20 anos, deixando ela e os cinco irmãos.

Recebe cerca de R$ 400 de aposentadoria e consegue tirar R$ 100 por mês com a venda de reciclagens: “A única vez que fiquei sem trabalhar foi no ano passado, pois roubaram meu carrinho que uso, mas ganhei outro da prefeitura”, diz.
Francisco Ferreira, 57, é proprietário do Comércio de Metais de Santa Isabel, local onde Dona Teresa vende seus produtos há cinco anos: “Antes de trabalhar aqui ela vendia em outro local, mas com sua ingenuidade, o dono a passou, várias vezes para trás, não pagando a ela pelo trabalho prestado”, revela.
Segundo Francisco, Teresa chega a fazer duas viagens por dia puxando papelão, garrafas pets e outros produtos: “Essa mulher é muito guerreira já cansei de pedir para ela deixar a reciclagem de lado e aproveitar a aposentadoria, mas ela não dá atenção e sempre volta para rua”, disse.
Antes de posar para a foto Dona Teresa passa a mão nos cabelos bagunçados, um ato vaidoso e nobre que mostra que antes de ser catadora Teresa é, acima de tudo, mulher.

Texto e Fotos: Bruno Martins

Matéria originalmente publicada na edição 964 do Jornal Ouvidor. Para ler a matéria original Clique Aqui