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Fonte: Arquipélago Editorial |
A
vida que ninguém vê é uma obra que nasceu de crônicas que foram publicadas em
1999, em um jornal do Rio Grande do Sul. São histórias reais que traçam o
perfil de pessoas comuns. Marcelo Rech era Diretor de Redação do Jornal Zero
Hora e lançou o desafio imediatamente aceito pela repórter Eliane Brum, cabia a
ela a função de ir atrás de pautas que pudessem contar boas histórias.
Eliane
que nasceu em março de 1966 na cidade de Ijuí – RS foi para a capital ainda
jovem e em 1988, formou-se em jornalismo, pela Universidade Católica do Rio
Grande do Sul. Depois de um texto que fez na faculdade, conseguiu um estágio no
Zero Hora e ali ficou durante 11 anos.
Sem
sair do seu perfil de repórter, Eliane vai às ruas de Porto Alegre onde se
depara com diferentes personagens que chamam a sua atenção. Esses personagens
mal sabiam que depois da conversa com ela, teriam suas vidas, suas dores e seus
problemas compartilhados em uma coluna no jornal na edição de sábado, para quem
quisesse ler.
Uma
característica dos textos desta obra é a forma que a autora descreve cada
movimento, cada gesto dos personagens, os detalhes em sua volta, a dor, o
grito, a última frase que foi dita, à lágrima que cai do rosto daquele que
acabara de enterrar um parente, seja este mulher, filho, ou os dois.
Como
não se emocionar com histórias como a de Antonio Antunes que perdeu a mulher
Lizete, que foi mais uma vítima da negligência existente na saúde pública. Um
deslocamento na placenta causou uma hemorragia em Lizete, que fez com que a
mesma perdesse a criança que trazia em seu útero há oito meses, este bebe seria
o quinto fruto do seu amor com Antonio. Lizete morreu cinco dias depois, deixou
o marido e quatro filhos, dois sadios e outros dois, Fernanda e Luiz Oscar que
sofrem de paralisia cerebral ficaram em hospitais diferentes, Antonio teve que
voltar para a vida normal e lutar para manter vivos os dois filhos um deles
ainda respirava com a ajuda de aparelhos.
Este
capítulo “O dia seguinte” contado numa forma literária, para ilustrar o
sofrimento deste pobre personagem, também mostra todo empenho que a repórter e
autora teve para ouvir os dois lados da história e colher os depoimentos do
administrador do hospital e do chefe do plantão, responsável pelos
profissionais que atenderam Lizete. Não somente este texto, mas todos os outros
que compõem esta obra conseguem mesclar apuração e crônica.
A
autora demonstra a sua indignação em histórias como a de Camila, a menina de
dez anos, que vivia em um barraco e pedia dinheiro nos cruzamentos das ruas de
Porto Alegre para sustentar os quatro irmãos, o pai desempregado e a mãe. A
menina pobre como todas as outras crianças de sua época inventava versos para
conseguir ganhar dos motoristas o dinheiro que lhe compraria o pão. O que
Camila muito conseguia era um vidro que se fechava nos carros, numa maneira
onde segundo a autora as pessoas encontraram para se defender do peso na sua
consciência e não terem participação na miséria daquela garotinha.
Era
uma sexta-feira, quando Camila fugiu da Febem com outras amiguinhas e com a
inocência que sempre teve a menina que fazia poesias no semáforo entrou nas
águas do Parque Marinha do Brasil mesmo se saber nadar. Camila só saiu daquelas
águas resgatada pelos bombeiros, mas já era tarde.
“A
questão é saber, quantas Camilas precisarão morrer antes de baixarmos o vidro
de nossa inconsciência. Você sabe?” é o questionamento feito por Eliane para
aqueles que a certamente iriam ler sua coluna no sábado, ou o seu livro anos
mais tarde, e lembrariam na menina que eles ignoraram nos semáforos.
Na
verdade as melhores histórias da obra não são somente estas, como a de Antonio
e Camila que fazem com que o leitor se emocione, pois trazem relatos tristes de
acontecimentos que marcaram vidas, mas também há histórias de superação como a
de “Dona Maria tem olhos brilhantes”.
Dona
Maria teve dez filhos e enfrentou o marido para que todos eles entrassem na
escola, depois da morte do marido Maria foi atrás do tempo perdido e
matriculo-se em várias escolas para aprender a ler, as primeiras tentativas não
deram certo, mas não por culpa de Maria e sim dos que tinham má vontade e não
queriam ensiná-la. A autora consegue valorizar a história pela garra da
personagem em não desistir de algo que deveria ser de livre acesso, o aprendizado.
O
doce velhinho dos comerciais que ainda guarda o revolver que um dia apontou
para a própria cabeça numa atitude desesperadora, o enterro de pobre, história
de um olhar que conta a vida de Israel, um menino especial, mas que assim como
“Dona Maria” tinha um sonho de estudar e conseguiu, dentre muitos outros
personagens contribuíram com suas histórias para ilustrarem esta obra.
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Fonte: atarde.uol.com.br |
Foram
um total de 46 perfis feitos por Eliane Brum em sua coluna no Jornal Zero Hora,
onde 25 ilustram o seu livro “A vida que ninguém vê”. Com este trabalho a
autora venceu em 2007 o prêmio Jabuti de melhor livro reportagem.
Eliane
já escreveu Gotas da minha infância; Coluna Prestes: O avesso da lenda; O olho
da rua – Uma repórter em busca da literatura da vida real e um livro de romance
chamado Uma duas. Em 2013 Eliane saiu da revista Época onde manteve uma coluna
todas as segundas-feiras durante 13 anos. Atualmente Eliane trabalha no portal El
País Brasil.